Orquestra dos Sentidos
Bem vindos,
Tome três respiros para a chama não apagar na escura caverna.
Ouça três batidas e as polaridades se misturam em harmonia.
Sinta três cheiros, passe a língua pelos lábios, esteja com o seu próprio sabor.
Abra os poros para ver com a pele.
Permita-se à uma dança de consciência em expansão.
…
Presença.
…
Respire.
Em sua primeira individual, a artista Marina Chebabe, com um beijo e a voz rouca, convida para uma jornada cinestésica rumo à pureza. Não aquela que busca a origem e o fim das coisas, mas a que mantém uma dedicação imperfeita em sustentar o caminho.
A artista apresenta 22 pinturas em aquarela, em pequenos formatos, embebidas em sua base pela energia do café, esse que nos permite defumar, beber e limpar o ambiente, o corpo e o olfato. No percurso de suas obras germinadas em traços e cores intuitivas, o azul e o vermelho se revelam protagonistas desse pas de deux, em condução leve e compartilhada.
O movimento espiralado numa atmosfera uterina não só convida, mas convoca o espectador a adentrar ciente de si e se desconhecendo a um só tempo. A espessura da sutileza na pincelada da artista evoca uma valência descompassada das proximidades e distâncias que construímos. O fazer intencional alcança um certo ponto. Dali em diante, algo misterioso se põe em curso, algo que nos furta as visibilidades habituais para adentrar um perímetro estrangeiro.
Nas aparições e opacidades são tantos os significantes que comparecem: anzol dourado e bola de chumbo, céu e terra, masculino e feminino, pétalas e pássaros, as cartas de tarô do mundo e do tolo. O primeiro, o mundo, se modula enquanto pavimento do movimento da vida, se empresta à condição de paisagem, para que nossas histórias possam ser contadas. O outro, o tolo, em sua peculiar ingenuidade, confia na errância para a acomodação da vida e por isso representa o início e o fim, a primeira e a última carta, a manifestação da humanidade que pulsa em nós.
A cinestesia é o percurso do tolo pelo mundo, e não por acaso, o percurso que Marina Chebabe nos propõe nesse mergulho em espiral. Um círculo é um ponto que explode para todos os lados, disse Paul Klee. Enxergar essa cena invisível está mais ao nosso alcance do que imaginamos. Assim como a noção de que o trabalho de arte não está no espaço, mas produz espaço. É isso que nos diz o despretensioso exercício pictórico da artista, nessa circular e infinita orquestra dos sentidos.
Flávia Dalla Bernardina
Curadora