CLÍMAX
Nossos sentidos de compreensão do mundo nos fazem querer deduzir as imagens por meio de seus princípios formais e componentes visuais, no entanto elas não são apenas cortes praticados no campo do visível. Mais do que proporções, profundidades, motivos, a imagem é um rastro que implica temporalidades tangíveis e contingentes, é uma impressão com todos os vestígios de um ato.
Em CLÍMAX, Michelly Sugui reúne duas séries pelas quais afirma a pintura como meio de expressão, muito embora nelas a artista acentue antes os elementos e gestos da formação das imagens e dos objetos do que a pintura como resultante de qualquer representação.
Na série ATRAVANCAMENTOS (2011), vigas de madeira e câmaras de ar se equilibram numa configuração temporária onde o embate de tensões se dá como procedimento construtivo. Atravancamentos tem proximidade, apoio, resistência, tem risco e implica o corpo. Ainda que as esculturas sejam dadas por um entrave, sua linguagem poética remete ao movimento e ao fluxo contínuo de ação recíproca entre os elementos, as esculturas não são fixas, nelas é iminente a ação do tempo num registro mnemônico tanto da matéria como do espaço. É assim que, sem abandonar a superfície plana das pinturas, a artista ganha o espaço, colocando para jogo a imprevisibilidade e o acaso na experiência material e visual. E o faz num esforço de diminuir a intransponível distância entre o observador e a tela.
DESEJANTES (2013-) é um conjunto de pinturas a óleo e aquarela onde a artista também experimenta e tensiona os limites do meio como linguagem. A superfície branca e pura do papel perde sua condição de território ideal na medida em que passa a ser povoado por manchas ora difusas, ora explícitas e precisas, compondo o vocabulário de formas e cores da artista. Em Desejantes, aparecerem os transbordamentos, as sobreposições, os arranjos, aparecem também as formas que se recolhem, que ensaiam o encontro para dar a ver o vazio, a ausência. Nos pequenos papéis delimitados, a artista exercita imagens indeterminadas e provoca o outro e a si mesma porque não as encerra.
Seu vocabulário – inacabado – de formas e cores é um projeto que se desdobra de modo aberto acionando os sentidos. É o território central de pesquisa da artista, território que envolve as tensões do meio pela experiência da materialidade, bem como a parte desconhecida de sua entrega ao outro, ao observador. Deste terreno profícuo, derivou uma série de trabalhos da artista para a exposição individual
Chat Room na GALLERY S1, em Amsterdam. E não à toa é o lugar de retorno agora na PAREDE GALERIA, afinal neste vocabulário onde confluem os conflitos, as questões se colocam. Quando o resultado objetivado de uma representação não basta, vale retornar ao problema e assumir o risco de um futuro incerto, e aí está um campo fértil para criação.
Num enredo, CLÍMAX é o momento em que os acontecimentos ganham máxima tensão, prenunciando um desfecho. Para a artista, “momento culminante, plástico, direto e intenso”. Sem dúvida, seu retorno é um movimento que caracteriza um mergulho e uma densidade.
Ainda que dificilmente se chegue à arte abstrata sem envolver seu discurso, em sua estrutura poética, de ruptura e resistência, Michelly Sugui abre um horizonte de indeterminação em que parece querer reverter a busca da linguagem, sem contudo deixar de pensar no seu trabalho como uma fonte de proliferação de sentidos. A artista aposta na deriva.
O desfecho que convoca para si mesma e para aqueles a quem seu trabalho ressoa, sublinha o caráter transitório e não linear da condição humana. Seja como for, é um desfecho carregado de um investimento individual e coletivo desejante. Clímax é uma entrega.
Clara Pignaton – Curadora